Carmen

23/05/2014 13:08


                Ela tinha os olhos de lobo e a pele de cigana; era como um animal selvagem, daqueles que quando se espera que vem, não vem, e aparece quando menos imagina.

               Ele fazia uma palestra sobre a obra de Bizet, mais precisamente “A Influência do Libelo se Marimeé na Ópera de Bizet”, e enquanto falava, veio-lhe a lembrança um amor vivido alguns anos atrás, cujo personagem era assim, como a heroína da ópera e, o mais gozado, tinha o mesmo nome: Carmem!

           Foi numa noite daquelas que nada se tem para fazer, ninguém para sair, e a escuridão da noite, com seus mistérios, convidam para uma caminhada. Sabe-se, de antemão, que tudo pode acontecer, e já se está preparado para isto; afinal, é uma noite de caça e, em tais noites, pode também o caçador ser caçado e virar troféu dependurado em algum salão, onde se leva amigos para contar estórias ilustradas pelos despojos expostos, do vencido, massageando-se um pouco o ego.

           Caminhou sem rumo noite adentro. Todo lugar em que entrava não encontrava paz nem interesse, e saia procurando outro. Já pela alta madrugada, com uma mulher bastante alta, charmosa, com o gosto do proibido> Tinha a pele tatuada, o jeito de devassa e o olhar de criança. Encantou-se com o que viu: se mistérios e aventura era o que queria, ali havia destes em dose cavalar; sem dúvida um desafio no mínimo interessante.

                 Depois de alguma conversa, ficou sabendo que ela não era dali; era de uma cidade litorânea, ali perto, a qual ele houvera freqüentado muito no passado. Apesar de não gostar do lugar em que ela morava, dada a mentalidade dos moradores e dos freqüentadores habituais das praias- dos quais, enfim, não tinha boas recordações, salvo raras e honrosas exceções – em todo caso, seu conhecimento de tal cidade já era um elo, algo que talvez o ajudasse a terminar a noite com ela em sua cama (como se precisasse conseguir uma justificativa maior...)

               Passou-se aquela noite, e Carmem foi ficando, e foi contando a sua vida. Estava findo o  seu segundo casamento. Havia deixado marido e filho, e com eles agora passava estes dias.

            Um dia, ao acordar, não a encontrou a seu lado. Vistoriou o apartamento, concluindo que nada havia desaparecido, até as roupas que tinha dado a ela estavam lá. Mas, de qualquer forma, a sensação de ser largado por nada, sem aparente razão, não deixa de ser uma sensação bizarra.

             Dois dias depois ela volta totalmente dopada de cocaína e de algo mais que nunca soube o que era, e começa a lhe contar uma estranha e estapafúrdia estória de seu envolvimento com drogas, das magias da noite e madrugada, quando se sai para dançar e beber.

            Num misto de preocupação e angústia, começou a se afundar em trabalho. Tinha que tocar o escritório, mas, eis que...

              Um violonista espanhol vem à cidade com seu grupo para uma série de apresentações. Ele, amigo seu. O telefone toca, e o musico o requisita para tocarem juntos, em uma apresentação que fariam no sábado. Pensou: ótima idéia! Reservou uma mesa de onde Carmem assistiria ao espetáculo e acertou os dias de ensaio.

                 E foi assim que Paco e Pancho (Paco era o visitante, e ele, Pancho, que também se chamava Francisco, fazia-se chamar de Pancho, que é a maneira mexicana de falar o seu nome) começaram os ensaios.

            Depois de tantas bullerias e tangos, surgiu uma discussão sobre a Carmem. A música de Bizet havia transformado a musa espanhola em algo maniqueísta francês do século dezenove, pois o tema deveria ser selvagem, sensual, cadenciado; o canto, como no flamenco, devera lembrar o sacerdote maometano, chamando os fiéis para a oração; o ritmo deveria permitir ao casal fazer a dança do acasalamento, em que um se mostra ao outro na plenitude do que se é, extravasando ao máximo os sentimentos, sentidos e sexualidade, e seduzindo o companheiro; um dançar com o outro de uma forma só, criando, os dois, um para o outro, o clima de sedução própria do flamenco. Era isso que deveria ser Carmem!

            Assim, decidiram criar uma adaptação de Bizet e, ao mesmo tempo, fazer uma homenagem à mulher do brasileiro, pois....

              No dia, tudo transcorreu de forma normal e, ao final da apresentação, foi dito que isto se devia ao encanto e à maneira de ser de...

              As luzes iluminaram a mesa vazia. Mais uma vez ela, como algo que nunca se tem por completo, não estava ali.

          A palestra já chegava ao final, quando alguém lembrou que Carmem era um hino a voluptuosidade feminina. O palestrante retrucou: “Não”! É uma pregação do fato de ser mulher, de viver como mulher, da liberdade feminina no seu mais alto grau, e da forma mais caricata possível.

             Naquela noite, ao chegar a casa, ele convidou todas as suas amigas prostitutas para uma festa, onde haveria uma distribuição de roupas incríveis, as roupas de Carmem, que ela pouco havia usado e não usaria mais!

 

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Escritor Tito Laraya

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